sexta-feira, 24 de abril de 2020

Hermetismo, Lemúria, Espiritismo e Verdade

Esse meu costume de me interessar por lixo na internet ...

Nesse período de quarentena, acabei lendo alguma parte de um "livro" (disponível em pdf) de um ocultista exibido chamado Del Debbio, que eu conheço há anos, dos tempos que eu lia o Sedentário e Hiperativo. O livro dele é justamente um compilado da coluna dele nesse blog -- que na época eu não lia porque era crente e o que ele dizia me soava tremendamente estranho/esquisito.

Bom, ainda me soa estranho/esquisito, mas como eu virei um entusiasta de coisas estranhas/esquisitas (teorias de conspiração, ufologias, ocultismos, deuses astronautas, esoterismos diversos), resolvi dar uma chance.

O que ele diz é meio que "magia moderna", tem uma inspiração meio "perenialista" (Guenón e Schuon estão entre as leituras recomendadas inclusive) e se pretende uma espécie de "ciência extraída das diversas tradições mágicas". Por exemplo, ele fala das pirâmides como receptáculos (ou produtores -- nunca se distingue claramente) de uma grande energia, fala dos chakras como os pontos de conexão dessas energias nos diversos planos, da astrologia como uma espécie de 'arranjo celeste' pra otimização do desenvolvimento dessas energias, dos diversos planos (físico, mental, astral...) como planos onde essas energias operam. And so on.

Aparentemente todas as religiões sabem disso de alguma forma -- só o cristianismo ficou de fora, mas o judaísmo tá dentro pela linha esotérica da Cabala. As religiões são todas tratadas como tradições mágicas, cheias de 'simbolismos e mensagens ocultas' (a arca de Noé, por exemplo, não levou duas girafas, uma macho e uma fêmea, mas isso é um símbolo pras tradições africanas que foram salvas do dilúvio, que realmente aconteceu).

O tom é sempre afirmativo, categórico, do tipo "olha, crianças, o tio vai ensinar pra vocês o que vocês não sabem", mas nunca fica claro pra mim de onde afinal ele tá tirando essas informações. O cara aparenta manjar mesmo das diversas tradições mágicas -- algo que ele aparentemente aprendeu envolvido nas diversas ordens que frequenta (maçonaria, cabala, candomblé, rosacruz, ou qualquer outra coisa assim) --, mas isso tem claramente um efeito negativo na forma pouco científica com que ele lida com esses temas.

Quero dizer, ok, não dá pra ser muito científico lidando com magia, ou pelo menos ainda não conquistamos métodos o suficiente pra isso. A coisa é intrincada, misturada com religião e uma perspectiva metafísica mais ou menos específica. E ainda que dê, no máximo dá pra falar de intenções, formas mentais, projeções de pensamento e etc. Ninguém espera um efeito físico no mundo real a partir de mágica, ou os mágicos estariam ricos ou trabalhariam em circos (alguns trabalham :P). Mas... dá pra ser pelo menos mais "humilde" na abordagem. Eu que sou um cara "aberto a espiritualidades" (tremendamente aberto pra ser realista) não consigo comprar metade do que ele diz, porque ele apela pra fraudes escancaradas.

Por exemplo, de quando em vez, como uma forma de argumento de autoridade, o cara cita atlânticos e lemurianos. Atlânticos, vá lá, se o cara se imerge em "historiografia alternativa" (como eu mesmo sou imerso), até passa; mas Lemurianos? Força a amizade. Porque Lemúria é uma invenção moderna. É uma viagem que não tem 200 anos. Ninguém nunca viu, não é citado em obras antigas, e era só uma hipótese científica (já descartada) pra uma certa observação fóssil.

E é aí que vira um pé no saco entrar no meio dos ocultistas. Porque os caras escancaradamente inventam coisas a partir de pequenas elaborações razoáveis e depois colocam camadas e mais camadas de maluquice e "tradições" em cima dessas coisas, até elas parecerem místicas e esotéricas o suficiente pra serem vendidas como 'tradições antigas e ocultas'. Sério, fala sério!

E o pior: procurando sobre Lemúria eu descobri que o Chico Xavier também tem uma transcrição sobre, o que me leva a uma série de raciocínios. Tipo, suponha que, ok, veio um espírito mesmo e baixou no Chico Xavier, e ele escreveu sobre a Lemúria (o que eu tendo a descrer, porque eu tendo a não comprar esse 'mundo sutil habitado por seres alternativos' -- sejam anjos, demônios, espíritos, fantasmas, espectros, kamis ou mortos). Se esse espírito conta toda uma fraude flagrante como essa, era sinal de que é um "espírito zombeteiro", um mentiroso, e o que ele disse não vale nada.

Tipo, ainda que exista um mundo sobrenatural habitado por seres sutis, não dá pra aceitar tudo que os tais seres dizem né. Pelo menos algum processo de crítica interna tem que existir, do tipo "ok, o que esse cara tá falando fecha com o que o outro disse" ou "o que ele disse tá de acordo com o que ele disse antes" ou ainda "o que ele disse tá de acordo com o que a gente observou na realidade". Tipo, sério, tem espírita que acha que Jesus andou na Índia durante a sua juventude. É muita forçação de barra.

Tá, mas voltando pro Del Debbio: eu acho satisfatório o esforço de tentar fazer um conjunto 'coerente' a partir de um monte de crenças desconexas. É o que eu mesmo tento fazer -- e eu acho que Jesus deixou um estímulo pra isso inclusive --, mas o que me incomoda é que falta 'suspensão de descrença', humildade no contato com essas coisas, senso de realidade. Ok que é difícil falar de senso de realidade quando se trata de ocultismos -- e o melhor que qualquer pessoa com bom senso faz é sair desse amontoado de crenças e tentar construir seus conhecimentos em cima de algo mais concreto. Mas pra quem (como eu) tem satisfação de revirar esse amontoado de lama (porque acha que nela tem algumas pérolas), era importante tentar manter uma 'epistemologia' até um certo ponto sólida.

Eu sei que no fundo esse esforço pra fazer um conjunto coerente não acaba bem, e mais ou menos desfigura as crenças todas e acaba formando uma crença nova, um frankenstein metafísico, mas eu acho que esse esforço é até válido -- inclusive com os inputs não religiosos dos filósofos modernos (sobre os quais eu sei muito pouca coisa pra falar a verdade). Porque está todo mundo falando de uma coisa que não sabe bem explicar, tentando "acessar" planos complicados com os instrumentos simbólicos (ou discursivos) que tem a disposição. Por outro lado, esse esforço tem que ser compatível com o que se sabe por ciência -- e não ciência inventada transformada em tradição. Ainda que muito da ciência precise ser melhor discutida ou posta em cheque, ela precisa ser posta em cheque a luz de evidências razoáveis, e não de meras hipóteses ou, pior ainda, de insistências em ideias que já foram descartadas.

Porque o que eu vejo esse Del Debbio fazer com a Lemúria é semelhante ao que eu vejo os criacionistas radicais fazerem com o Gênesis. Depois das descobertas arqueológicas assírias, babilônicas e etc, é impossível falar do Gênesis como se fosse um evento literal -- o que coloca os crentes no conjunto dos negacionistas históricos. Por outro lado, a historiografia mainstream ainda tem muito a melhorar, e a história das torres gêmeas é um exemplo disso: os caras ainda contam que as torres caíram por causa da colisão de dois aviões, o que simplesmente impossível.

Provavelmente esses eventos recentes (como as armas químicas na Síria, o ataque às torres gêmeas e outras operações militares americanas) só vão receber alguma correção daqui a 50, 100 ou 200 anos, quando os documentos estiverem disponíveis a todos e a discussão histórica não envolver interesses econômicos ou paixões nacionais. Mas faz parte. O interesse de todo mundo deveria ser a Verdade, e não o de provar um conjunto de pressupostos religiosos ou mágicos.

Enfim...
algumas reflexões aleatórias.

Paztejamos

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