Eu me lembro que, quando eu era pequeno, a única tia que eu não chamava por "tia" era a minha tia mais nova, a tia Simone. Por algum motivo estranho, a todos os tios eu chamava "tio Daniel", "tia Jandira", "tio André"... mas a tia Simone eu tinha o costume de chamar apenas por "Simone". Tanto eu, quanto meu irmão gêmeo e meu primo Rafael a chamávamos assim. Por algum motivo que até hoje eu não sei explicar, a gente achava esquisito chamá-la de tia, e simplesmente "não conseguia pegar o costume".
Com o tempo e a insistência da minha mãe, porém, eu fiz uma força e tentei me adaptar a chamá-la também de tia (até por causa daquela coisa de respeito pelos parentes mais velhos), e eu lembro de, num determinado dia, ter visto meu primo chamá-la apenas de "Simone" e me sentir como que 'aflito', como se meu sentimento de 'estranheza' tivesse se invertido. Agora era a ausência da palavra "tia" que me incomodava.
É esquisito como a gente "assimila" essas coisas que nos causam estranheza num primeiro momento, e de alguma forma, depois de um esforcinho, consegue inverter esse sentimento, fazendo do 'estranho' o 'certo', e do certo o estranho. Eu lembro de pelo menos algumas outras situações em que senti essa estranheza. Certamente que na primeira impressão está uma semente mais 'concreta' (ou 'bruta') de realidade, e se esse esforço posterior (que as vezes se justifica numa explicação, talvez) tem o poder de reverter essa estranheza, é bom ter a cautela de não permitir que ele inverta a realidade.
Eu lembro, por exemplo, da minha impressão sobre a Dilma, antes das bem sucedidas campanhas presidenciais. Ela tinha uma cara de 'burocrata chata', com aqueles oclões de nerd, e era uma espécie de mulher-ogrinho da casa civil - e logo que surgiu a hipótese de ela concorrer à presidência, discutiam que ela era 'firme' e a atribuíam características masculinas em função disso. Depois, porém, da 'formatação' que ela sofreu para concorrer, virou uma 'senhora elegante', com jóias, dentes certos e lentes (nada contra - e esse não é o mérito da questão). Mas, eu lembro que quando começaram a falar dela eu pensei "pff, fala sério, essa aí não tem como ganhar". E essa sensação se reforçava em especial nas falas em público, onde convenhamos que ela não tinha (e nunca teve) a menor condição de se expressar. Já depois do primeiro mandato, o sentimento era completamente outro, como se não parecesse mais a mesma pessoa, ou como se essas coisas não tivessem mais tanta importância - "todo político fala abobrinhas, afinal" e "ela é uma senhora". Daí a sensação de estranheza era ao ver as imagens antigas. Mas a questão é: qual das sensações é a legítima? Nesse caso, certamente a primeira revela mais Verdade. A segunda é uma espécie de 'miragem', de 'histeria' que confunde as nossas impressões. Mas então... quantas "inversões histéricas" dessas a gente não tem acumuladas no raciocínio, sedimentadas talvez umas sobre as outras, nos fazendo dizer o contrário do que vemos, nos fazendo sentir 'estranheza' diante da verdade...?
É uma coisa pra se pensar...
Talvez seja por isso que Jesus tenha dito que "às crianças pertence o Reino dos Céus". Tem coisa mais sincera que uma criança? Pra ela, o que é estranho é estranho! (E "tia Simone" certamente me soava estranho.)
Paztejamos
Paztejamos
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